Etarismo é definido como a discriminação contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados à idade. Esse tipo de preconceito pode assumir faces distintas, que vão desde atitudes individuais até políticas e práticas institucionais que perpetuam a discriminação etária.

 

O Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Esse número que representa 13% da população do país. Em 2019, o número de idosos no Brasil chegou a 32,9 milhões e a tendência de envelhecimento só aumenta. Para falar sobre as perspectivas e preconceitos vividos por essa população, convidamos a gerontóloga Ingrid Bernadinelli.

 

Sabemos que todos nós estamos envelhecendo. Como se dá esse processo?

O processo de envelhecimento é natural das nossas vidas e não podemos evitar. Não existe antienvelhecimento! O envelhecimento começa a acontecer desde o momento em que nascemos até o momento das nossas mortes. Muitos relacionam envelhecimento apenas com a fase da velhice, quando algumas mudanças físicas ficam mais evidentes, como os cabelos brancos, as linhas de expressão, mas isso é um mito. Por este motivo, muitas coisas que fazemos hoje podem repercutir em como vamos chegar na fase da velhice.

 

Os cuidados com a saúde hoje, podem influenciar de alguma forma nessa fase da vida?

Uma vez escutei uma idosa falando “qualidade de vida não se conquista do nada” e ela está certa! Muitas pessoas hoje não estão se alimentando bem, dormindo bem, não praticam nenhuma atividade física e, muito menos se planejam financeiramente para a sua velhice, o que pode influenciar a forma em que envelhecemos! A gestão da longevidade trabalha exatamente isso, por meio da gestão do cuidado e do planejamento a longo prazo, ajuda as pessoas a viverem melhor, com mais qualidade de vida e bem-estar em todas as fases, inclusive para a velhice. O aumento da expectativa de vida já é uma realidade, mas o desafio atual é aproveitar mais os anos com saúde e qualidade de vida, mas isso requer cuidados atuais e um planejamento a longo prazo.

 

American Psychological Association sugere que o preconceito de idade é uma questão séria e com enormes impactos futuros. Na sua opinião, por que os idosos são o maior alvo desse tipo de preconceito?

A categoria velhice não se trata apenas de características biológicas, mas também por características culturais e sociais. Um exemplo clássico é a definição da idade para brincar, ir para a escola, trabalhar e se aposentar. De forma mais simples, podemos compreender que de acordo com as fases da vida, temos expectativas e comportamentos já esperados, e que quando não são seguidos, gera um desconforto do qual nem sempre entendemos o porquê, mas aquilo te incomoda. A sensação de desconforto pode acontecer quando algo não “esperado” para aquele grupo etário acontece, por exemplo, idosos no mercado de trabalho, a sexualidade na velhice ou até mesmo, o mais velho visto como exemplo de beleza. Isso pode soar de forma estranha porque entendemos que as pessoas mais velhas se aposentam e param de trabalhar, idosos não têm vida sexualmente ativa e muito menos é considerado sinônimo de beleza de acordo com os padrões estruturados pela sociedade. E, portanto, criamos os Tabus da idade. Os exemplos anteriores são formas de preconceitos e discriminação com as pessoas idosas que muitas vezes são tidas como ações naturais pela Sociedade e por isso, nem sempre são contestadas como uma injustiça ou algo não adequado. A discriminação por idade prejudica a todos. Mas, muitas vezes, é tão difundida e aceita em nossas atitudes, políticas, leis e instituições que nem mesmo reconhecemos seus efeitos prejudiciais. Se formos pensar, todos nós estamos propensos a receber preconceitos pela idade, quem nunca ouviu aquela frase “muito nova para fazer isso” ou “muito velho para fazer aquilo”. Mas acredito que os idosos estão mais propensos deste tipo de preconceito por ser muito fácil relacionar idosos como pessoas frágeis, doentes e que necessitam de cuidados, mesmo isso não sendo 100% verdade.

 

A pandemia causada pela covid-19 pode influenciar de alguma forma?

De acordo com o Relatório Global sobre o combate ao Ageismo (OMS, 2021), uma a cada duas pessoas no mundo tem atitudes preconceituosas em relação aos idosos. A pandemia destacou ainda mais a forma como vemos, tratamos e respondemos aos nossos idosos. A discriminação por idade se infiltra em muitas instituições e setores da sociedade, muitas vezes, os preconceitos diante da velhice, socialmente construídos, são atribuídos no dia a dia como algo “natural”.

 

Na sua opinião existe alguma forma de combater esse tipo de preconceito?

O primeiro passo para combater o preconceito etário é a quebra de estereótipos e tabus que existem com a velhice e o envelhecimento. Entender que todos nós estamos envelhecendo, que envelhecemos de formas diferentes e que a velhice não é sinônimo de doenças, fragilidades e incapacidades já é um grande passo!

A OMS (2021) determina três estratégias para combater o Ageísmo: Políticas Públicas, Intergeracionalidade e Intervenções Educativas.  Nesse sentido, acredito que a gerontologia vem para somar, conscientizando as pessoas para a gestão de um envelhecimento mais sustentável, mas também, para uma velhice com mais respeito e sem preconceitos. Existem ainda muitos preconceitos enraizados na nossa Sociedade, por exemplo, tem muitas pessoas que falam que os idosos voltam a ser crianças, ou que velho é gagá e que a perda de memória é normal para quem já está envelhecendo. Não é verdade! Alguém lembra da antiga placa de trânsito utilizada para sinalizar uma vaga de idoso? Para quem não lembra, ela era representada com uma figura de um idoso de bengala. Isto trazia uma ideia estereotipada de que todo mundo com 60 anos ou mais estaria daquela forma, reforçando uma velhice fragilizada. Atualmente a placa é uma pessoa normal e o símbolo 60+ ao lado. Em nenhum momento estou reforçando que não exista um envelhecimento fragilizado, é claro que existe! Só não podemos generalizar, todo mundo que está envelhecendo terá uma velhice fragilizada, entende? Por isso, precisamos entender o que de fato é verdade e o que é mito sobre o envelhecimento.

 

Muitos problemas são associados à população 60+, como perda auditiva, diminuição da visão, menor participação social, dificuldade de se locomover. É possível contornar essas questões na melhor idade?

A primeira coisa que precisamos compreender é que ninguém envelhece da mesma forma! O envelhecimento é um processo heterogêneo, e não pode ser visto como sinônimo de doenças e fragilidades. Muitas pessoas chegam na fase da velhice sem nenhuma doença. Ainda mais atualmente, muitos idosos são até mais ativos do que pessoas de outras faixas etárias. Mas sim, com o processo de envelhecimento podem ocorrer algumas mudanças físicas consideradas como normais, algumas delas são: diminuição auditiva,  perda da massa magra, aumento do acúmulo de gordura corporal, diminuição da flexibilidade e entre outras. Mas o estilo de vida conta bastante! Muitas destas alterações conseguimos minimizar ou até evitar com atividades físicas e uma boa alimentação. É claro que temos também os fatores genéticos, tem pessoas que tem mais propensão a ter certas doenças.

 

Costumo dizer que a velhice recebe as consequências das nossas atitudes durante nossa trajetória de vida, e por isso, muitas vezes é mal-vista.

 

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(Brasília – CIBRIUS)

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